Todas as nossas
ideias são cópias das nossas impressões. (D. Hume)
Para
David Hume (1711-1776), nossos
sentidos oferecem-nos apenas percepções, as quais não são capazes de nos
remeter a qualquer coisa parecida com um objeto externo: nossos próprios corpos
nos pertencem, é parte de nós, o que quer que nos apareça como externo a nossos
corpos deve estar fora de nós mesmos.
O
que nossos sentidos nos revelam não é uma existência corpórea propriamente
dita, mas apenas um conjunto de percepções, aos quais nossas mentes,
atribuem uma existência corpórea. O mesmo ocorre, também, com sons, sabores e
cheiros. Ainda que sejam vistas pela mente como características contínuas e
independentes, não parecem existir em algum tipo de extensão e, portanto, não
podem ser percebidas pelos sentidos como exteriores ao corpo.
Não
é o fato de certa impressão ser considerada involuntária, nem sua força ou sua
vivacidade que fazem com que ela seja considerada contínua e independente.
Prazeres e dores, paixões e afecções, operam com mais violência, por exemplo,
que ideias como figura, extensão, cor e som, mas sempre consideramos que
existem apenas enquanto percepções.
Acreditamos, assim, na causalidade
ou a uma tendência criada pelo hábito?
A necessidade causal existe
realmente nas coisas?
Para Hume, a necessidade é algo que existe no espírito, não nos objetos. Não
existe nenhuma impressão autêntica da causalidade, exclusivamente acreditamos
nela. Poderia parecer, então, que é apenas o hábito que nos leva a atribuir a
certas percepções o caráter de continuidade e de independência que as
caracteriza – para nossas mentes – como objetos externos. E se assim fosse,
haveria, certamente, uma enorme semelhança entre o processo pelo qual
atribuímos a certos objetos o caráter de contínuos e independentes e aquele
pelo qual estabelecemos as relações de causa e efeito. Para Hume, esse
definitivamente não é o caso. O hábito, além de ser o resultado da grande
repetição de certas impressões, não pode, de maneira alguma, exceder a própria
regularidade que observamos. Afirmar que o hábito é o único responsável pela crença
na existência contínua, portanto, equivaleria a dizer que um hábito pode se formar
sem corresponder a percepção alguma. E ainda assim, ao inferir a existência contínua
e independente de certos objetos, pretendemos atribuir a eles uma regularidade maior
do que aquela que observamos em nossas percepções. Ora, é bastante claro que
jamais percebemos a regularidade em momentos em que não estamos presentes.
Concluímos, então com a teoria Hobiniana, que o hábito não pode ser o único
fator que explica a atribuição de continuidade e independência a certos
objetos. Hume invoca outro princípio que
contribua para esse acontecimento. O que ele afirmará é que:
A imaginação governa todas as suas ideias e pode uni-las, misturá-las e
variá-las de todas as formas possíveis. Pode conceber objetos fictícios em
todas as situações de espaço e tempo. Pode colocá-los de certa maneira diante
de nossos olhos com suas próprias cores, exatamente como se houvessem existido
[...] é impossível que essa faculdade possa jamais, por si mesma, converter-se
em crença. (HUME, p.66)
O
que a mente faz, então, ao perceber a coerência entre os vários objetos que
percebe, é continuar seu movimento e tornar a uniformidade tão completa quanto
for possível. Hume nos lembra que a questão não é se a mente forma
alguma conclusão referente à existência contínua dos objetos. O problema reside
no modo (grifo nosso) como a mente
formula essas conclusões.
Hume continua,
afirmando que para estabelecer a existência da causa temos só dois meios: ou por uma percepção imediata da memória ou
sentidos, ou por uma inferência a partir de outras causas.
O empirismo de Hume surge, pois, como um ceticismo, pois, explicar a
crença no princípio de causalidade denota recusar todo valor a esse princípio. Não se pensaria que os filósofos empiristas
fizessem tratados sobre a natureza humana. Mas é disso que trata a sua
filosofia: esclarecer a dualidade empírica entre a Natureza e os princípios da
natureza humana.
Hume introduz outra distinção na
classificação das impressões e das ideias: impressão de sensação e impressão de
reflexão. As impressões de sensação ocorrem através de nossos órgãos
sensoriais; as impressões de reflexão são derivadas de nossas ideias e são
essas que interessam para o exercício argumentativo de Hume.
As impressões de reflexão incluem as
paixões, os desejos e as emoções.
[...] a simpatia entre as paixões
e a imaginação mostrar-se-á talvez notável, quando observamos que as emoções
despertadas por um objeto passam facilmente a um outro unido a ele, mas se
misturam com dificuldade, ou de nenhum modo, com objetos diferentes e sem nenhuma
conexão.(Hume,p.47)
Quando a mente relembra a ideia, uma
nova impressão de desejo ou aversão é produzida. As ideias são divididas entre
aquelas produzidas pela memória e aquelas produzidas pela imaginação.
Já a imaginação tem liberdade de
transpor, recortar, transformar e combinar ideias em ordens quaisquer; tem o
poder de distinguir ideias, separando-as. Hume faz disso o princípio da
diferença ou da separabilidade: tudo o que é separável é discernível e
tudo o que é discernível é diferente. Uma consequência da divisão entre ideias
simples e complexas é que os componentes das ideias complexas são separáveis em
elementos simples, possíveis de novas combinações pela imaginação. O espírito é
uma coleção de ideias e essas ideias são a própria imaginação. Hume dá assim um
novo papel à imaginação.
A
conclusão óbvia é que, no que depender apenas dos sentidos, todas as percepções
são semelhantes no que diz respeito ao que nosso autor denomina a “maneira de
sua existência”.
Hume
afirma que, nos casos de sons e de cores, também atribuímos uma realidade
distinta e contínua aos objetos independentemente da razão ou de qualquer
consulta a princípios filosóficos. Isso não quer dizer, é claro, que os
filósofos de maneira geral não tenham tentado fornecer argumentos para defender
que objetos existem independentemente de nossos processos mentais. O que ocorre
é que, além de esses argumentos serem conhecidos apenas por umas poucas
pessoas, “não é por meio deles que crianças, camponeses e a maior parte da
humanidade são induzidos a atribuir objetos a algumas impressões, e negá-los a
outras” (HUME ,
p. 129). Isso faz com que o vulgo e a
filosofia estejam quase sempre em desacordo no que diz respeito a esse tipo de
questão: enquanto os filósofos afirmam que tudo que aparece para a mente não é
nada além de percepções (e, portanto, tudo que aparece à mente é descontínuo e dependente),
o vulgo atribui independência e continuidade a tudo que sente ou vê.
Para
Hume, é impossível que os próprios sentidos, tomados em si mesmos, possam
servir como justificativa para qualquer doutrina que se coloque a favor da
independência ou da continuidade de quaisquer objetos. O resultado, como não
poderia deixar de ser, é que nossa razão não pode nos garantir, de maneira
alguma, a existência de objetos contínuos e independentes. Essa opinião é
devida, portanto, única e inteiramente à imaginação, e é por isso que
Hume passa a investigar de que modo ela colabora para esse processo. A ideia de
uma existência contínua e independente deve surgir a partir da convergência de
certas qualidades presentes em algumas impressões com certas qualidades da
imaginação. E se dissemos algumas impressões, foi porque, como observa
Hume, não são todas elas que nos transmitem essas ideias. Faz-se necessário,
então, que comparemos as impressões a que atribuímos uma existência contínua e
independente àquelas que vemos como perecíveis e dependentes de nossas
percepções.
O mais importante no empirismo não é
a indivisibilidade das impressões? Pois bem, no empirismo não é o sujeito que
pensa, pois não existe sujeito a priori. O sujeito não é algo separado do dado
ou separado do mundo. O sujeito é o dado, é o fluxo do sensível, é a coleção de
percepções ou imagens, que tomados por movimentos associativos, supera o dado, produzindo
a natureza humana.
A natureza humana é hábito, o hábito
de adquirir hábitos.
Hábito é espera, é crença. Não há
certezas absolutas nesta espera.
Há apenas uma crença, uma espera.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS e BIBLIOGRAFIA
HUME, David. Investigação acerca
do entendimento Humano. Coleção OS Pensadores, tradução de Anoar Aiex.São
Paulo:Nova Cultural,1999.
REALE, Giovanni ; ANTISERI,Dário. História
da Filosofia – Do Humanismo A Kant vol.2.10. ed. São Paulo: Paulus,2007.
Hume. 2002 f. Tese
(Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
Departamento de
Filosofia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em <http://www.fflch.usp.br/df/site/posgraduacao/2010_doc/2010.doc.Marcos_Baliero.pdf>
acesso em 12.out.2010
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