04/03/2018
A Concepção de Santo Agostinho e Henri Bergson acerca do tempo
por Gisela Durval (2009)
O tempo possui diversos aspectos. No tempo físico temos o movimento exterior das coisas e no tempo psicológico, a sucessão dos nossos estados internos. O tempo físico e psicológico não “acontece” em permanente coincidência. O tempo que firma o calendário é o cronológico, o qual está intimamente relacionado ao físico e pode ser considerado o tempo dos acontecimentos. Já o tempo histórico representa a duração das formas históricas da vida.
Embora se trate de um artifício, a decomposição do tempo é muito útil na organização das nossas ações inteligentes e, se não atribui ao tempo um significado filosófico, permite à ciência trabalhar com essa grandeza fundamental no estudo dos fenômenos.
Para Santo Agostinho (354 – 430), a sede do tempo está na alma e para entender isso é necessário ter em mente a ideia de que o tempo faz parte da criação: o tempo é criatura.
Para o filósofo francês Henri Bergson (1859 -1941), há um só tempo real e os outros são fictícios. Sua filosofia é uma filosofia do tempo; um tempo esquemático e espacial, incompatível com o tempo contínuo, que muda, é memória e criação.
O tempo da história, que denominamos “imaginário” (psicológico), depende do tempo real (cronológico) - que não é outro senão o tempo que o relógio assinala - é a maneira pela qual o tempo é subjetivamente vivenciado pelos indivíduos.
O tempo é, e sempre tem sido um problema filosófico de grande interesse, não só para filósofos e cientistas, mas também para o indivíduo comum, que está acostumado a organizar e realizar suas tarefas e experiências de acordo com a idéia de tempo concebida como sucessão de instantes traduzida em presente, passado e futuro.
Santo Agostinho (354-430) foi um dos grandes pensadores a se preocupar com esta problemática. A reflexão filosófica agostiniana sobre o tempo encontrada no Livro XI da obra Confissões defronta-se com algumas dificuldades principais ao falar sobre o tempo pois não podemos apreendê-lo - ele nos escapa – assim como não conseguimos medi-lo. E também não podemos percebê-lo; diz-nos Agostinho em Confissões:
Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei. (CONFISSÕES, livro XI, cap.14, p. 322)
Nossa percepção do tempo permite dividi-lo em três partes: passado, presente e futuro. E, a partir de nossa experiência, sabemos que esses três tempos são bastante distintos entre si.
Santo Agostinho entende que existe outra maneira de pensar o tempo sem ser em termos espaciais, mas a partir de outro elemento que é a linguagem, a fala; continuamos pensando o tempo, mas sem a tentativa de explicar a sua essência. Podemos tentar apreendê-lo a partir de nossas práticas linguísticas, porque a linguagem adquire sentido a partir do tempo. Em outras palavras, a linguagem articula o tempo e o tempo articula a própria linguagem; conclui o bispo: Pensar o tempo significa, portanto, a obrigação de pensar na linguagem que o diz e que nele se diz.
Para o bispo de Hipona, os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das coisas presentes, presente das coisas futuras. O passado é o tempo que se afasta de nós, de nossa consciência, de nossa percepção; é tudo que já não é mais palpável, simplesmente porque já se foi. O presente é o “agora”, o tempo em que nossas experiências acontecem, no momento em que ocorrem. E o futuro, por sua vez, corresponde ao conjunto de todos os eventos que se concretizam na medida em que o tempo passa.
Os termos lembrança, recordação, percepção, atenção e espera - considerando a memória e sua teoria temporal, ligando o passado ao futuro - são encontrados na seguinte fala de Agostinho:
Vou recitar um hino que aprendi de cor. Antes de principiar, a minha expectação estende-se a todo ele. Porém, logo que começar a minha memória dilata-se, colhendo tudo que passa de expectação para o pretérito. A vida deste meu ato divide-se em memória, por causa do que já recitei, e em expectação, por causa do que hei de recitar. A minha atenção está presente e por ela passa o que era futuro para se tornar pretérito. Quanto mais o hino se aproxima do fim tanto mais a memória se alonga e a expectação se abrevia, esta que fica totalmente consumida, quando a ação, já toda acabada, passa inteiramente para o domínio da memória. (CONFISSÕES, livro XI, cap.28, p. 337)
Agostinho na sua “maneira” de fazer Filosofia, de discutir questões, como o tempo - tão importante para a cultura ocidental - tornou-se um pensador de notória referência para ser lido e pesquisado em várias esferas do conhecimento e a análise agostiniana sobre o tempo, que não é realizada apenas em termos cosmológicos, como medida de movimento, mas também como inseparável da interioridade psíquica, torna-se um elemento importante para a constituição “do eu”, até mesmo porque o eu agostiniano que começa a narrativa das confissões não é o mesmo que a conclui. O tempo é a produção da identidade e da diferença consigo mesmo, pode ser ainda a dimensão de um sujeito que está se constituindo, pois exerce um papel fundamental na consciência humana (uma vez que tempo e consciência são indissociáveis).
Para Agostinho, fora da criação existe somente a eternidade de Deus, que consiste na imutabilidade, na ausência de tempo.
A questão do tempo ainda permanece obscura e controversa. Muitos autores que pensam sobre o tempo, pensam a partir de Santo Agostinho.
O período que compreende o final do século XIX e o começo do século XX é marcado pelo positivismo e pelo cientificismo; as ciências particulares deveriam seguir o paradigma das ciências positivas, cujo modelo era a física e assim trabalhar com dados empíricos e mensuráveis submetidos à lei de causalidade.
O filósofo Henri Bergson (1859 – 1941) é um crítico dos pressupostos filosóficos da ciência de sua época, particularmente, da psicologia e da biologia.
Bergson busca construir uma metafísica que não ignora a realidade de fato. Compreende que o primeiro acesso a essa realidade é a vida interior, constituída por nossa psique; assim, volta seu olhar a esse acesso privilegiado, buscando compreender sua natureza, antes de buscar investigar a realidade tida como exterior. Descobre que essa vida interior é de natureza temporal: o tempo, enquanto duração é a essência da vida psíquica. Todavia, não é assim que, no geral, a psicologia de seu tempo a entendeu; marcada pelo determinismo psicofísico, acabou por não reconhecer a verdadeira natureza psíquica, entendendo-a como sendo de natureza espacial.
No início do século XX, quanto mais complexa tornava-se a organização da vida sobre o planeta, maior era a necessidade de que esse tempo fosse único e sincronizado.
Num passo adiante das necessidades cotidianas, A. Einstein (1879 - 1955) percebeu que esse tempo único era múltiplo, que sua medida dependia do observador. Bergson não rejeitou a relatividade. Ao contrário, percebeu na linguagem simbólica da teoria algo ressonante com sua própria filosofia e reconheceu o valor científico desta criação da inteligência humana, mas uma observação feita pelo filósofo francês em 1922 procurou mostrar o que há de intuição na inteligência e o que há de duração no tempo da relatividade. Infelizmente, a questão bergsoniana foi ofuscada pelo mito de Einstein.
Desde o começo de suas investigações, Bergson procurou o que está ausente na filosofia: a precisão. Surpreendeu-se ao constatar que tanto a física quanto a matemática não se ocupavam do “tempo real”; o tempo que elas tratavam era um tempo que não servia para nada (...), não fazia nada. (Ensaio de 1930, ”Le possible et le réel”); mas se a física e a matemática não se ocupavam do tempo real, de que tempo se ocupavam? Numa concepção abstrata do tempo, os fenômenos que se sucedem no mundo físico seguem uma ordem constante e intemporal, em que a distinção do passado, presente e futuro parece ilusória. Trata-se de um tempo no qual a mesma causa sempre produz o mesmo efeito e é isso que torna possível o estabelecimento de leis que permitem a previsão, ao cálculo antecipado dos fenômenos futuros que preexistem de certa forma à sua realização.
Bergson explica como se processa a “confusão entre tempo e espaço”, quando exprimimos a duração pela extensão, e a sucessão toma para nós a forma de uma linha contínua, ou de uma cadeia, cujas partes se tocam sem se penetrar.
Assim, quando definimos o tempo desta forma estamos definindo na realidade, o espaço e a verdadeira duração..
Bergson vê o tempo real como heterogêneo e qualitativo.
Tempo é mudança essencial e contínua, passa incessantemente modificando tudo e constitui a própria essência da realidade psíquica.
CONCLUSÃO
O tempo psicológico e físico de uma pessoa, de um grupo social, dos seres vivos e do próprio universo traz a marca dos acontecimentos que lhes precederam. A irreversibilidade do tempo, dos acontecimentos, sua riqueza e maior complexidade relacionam-se à memória e sua imprevisibilidade deve-se tanto a memória quanto a um dinamismo interno e criador.
A reflexão filosófica de Santo Agostinho sobre o tempo é considerada uma de suas mais brilhantes análises filosóficas, a qual o torna, embora sendo um pensador medieval, muito mais contemporâneo do que outros pensadores da atualidade. O modo como Agostinho expõe suas interrogações com relação ao tempo marca a reflexão ocidental que até hoje determina que “não conseguiremos medir o tempo”. O presente porque não tem nenhum espaço; o futuro porque ainda não veio e o passado porque já não existe mais. Podemos perceber e medi-lo apenas no momento em que está decorrendo. Os tempos, como afirma, existem na mente – o que em sua reflexão equivale a dizer na alma.
Já o filósofo francês Henri Bergson critica o pensamento filosófico e científico, deixando como contribuição que é necessário pensar nos pressupostos filosóficos da psicologia defendendo que o tempo dos físicos e matemáticos é reversível e que pode ser compreendido como uma linha móvel, com o qual se pretende medir a duração das coisas, uma multiplicidade numérica. Bergson admite que pode,por meio de algarismos e palavras imaginar ou pensar o número sem remeter à extensão, o que não é possível em uma representação intelectual.
Para evitar equívocos, é necessário distinguir o tempo do espaço e pensar a vida psíquica como essencialmente temporal.
BIBLIOGRAFIA
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia.5.ed.São Paulo,Martins Fontes 2007.
AGOSTINHO,Santo.Confissões Tradução de J.Oliveira Santos, e A. Ambrósio de Pina.São Paulo:Nova Cultural,1999 (Coleção Os Pensadores)
E REFERÊNCIAS
Reflexões de Santo Agostinho:
Disponível em < http://blog.controversia.com.br/2009/05/11/santo-agostinho-e-sua-reflexo-sobre-o-tempo/> acesso em 09.setembro.2009
A. Einstein: Disponível em < http://criticanarede.com/html/cie_einstein.html > acesso em 16. setembro.2009
H. Bergson: Disponível em < http://www.consciencia.org/bergsonbochenski.shtml> último acesso em 20. setembro.2009
PRONÚNCIA CORRETA- Filósofos
Filosofia – Dicas para a pronúncia correta dos nomes
** é bom lembrar que não se pode falar em pronúncia “correta” porque além das variações no próprio país temos dificuldades em pronunciar alguns sons típicos de outras línguas.
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