31/03/2020

Convite filosófico 1 (Gustavo Justino)









"A raça humana exagera em tudo: seus heróis, seus inimigos, sua importância" 



"Nós somos finos como papel. Existimos por acaso entre as porcentagens, temporariamente. E esta é a melhor e a pior parte, o fator temporal. E não há nada que se possa fazer sobre isso. Você pode sentar no topo de uma montanha e meditar por décadas e nada vai mudar. Você pode mudar a si mesmo para ser aceitável, mas talvez isso também esteja errado. Talvez pensemos demais. Sinta mais, pense menos". 

Henry Charles Bukowski. 


O Niilismo profundo e a falta evidente de esperança destes dois poemas de Charles Bukowski refletem bem nosso momento atual em tempos de pandemia. 

Ora, de repente nós perdemos o controle, sentimos que não somos mais o centro do universo e não há muito o que possamos fazer para mudar nossa situação atual. 

As circunstâncias parecem indiferentes aos nossos problemas e percebemos que estes tornam-se míseros problemas e pequenas dores ante a seriedade das circunstâncias. 

Nossos projetos, sonhos parecem ser esmagados pela indiferença da natureza e o medo do futuro toma conta da situação. 

Mas não podemos parar no tempo, menos ainda nos esquecer que não há futuro sem passado. 

Assim devemos ter também ter um olhar voltado para o passado para então aprender com ele. E isto inevitavelmente nos remete ao materialismo histórico que para Marx tanto marcou nossas relações, incluindo as de produção fundamentais para delinear as relações entre as classes sociais que formam nossa sociedade. 

As guerras, epidemias, doenças, destruições não necessariamente de vidas humanas, mas também dos produtos do trabalho humano, marcam desde sempre nossa evolução histórica e contribuíram sobremaneira para marcar a diferença de privilégios entre um grupo e outro até o limite da penúria. 

Além é claro de fazer menção ao eterno retorno Nietzschiano de que estes eventos são autos semelhantes e recorrem em um número infinito de vezes através do tempo ou espaço na roda do tempo e que em certa maneira contribuem para uma Catarse humana. 

Assim não podemos nos esquecer que tais eventos e adversidades são responsáveis por nos fazer chegar onde estamos. 

E o filósofo Baruch Espinosa nos ajuda a recordar esta nossa incrível capacidade humana de afetar e ser afetado pelo que nos cerca. 

É tal capacidade que de acordo com este pensador é capaz de nos tornar mais potentes e melhores: 


"Aumentar a potência de sentir para também aumentar a capacidade de pensar e existir, mente e corpo como duas expressões da substância; e desta forma, consequentemente, aproximar-se cada vez mais de Deus" e de nós mesmos, e nos conhecer profundamente e tirar em boa medida grandes lições. 

Assim devemos usar está capacidade para superar cada adversidade que aparece em nosso caminho, tomando sempre como um desafio o crescimento para tirar sempre grandes lições e aprendizado em todas as situações pois como diz a sabedoria dos pré socráticos: 

Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. Assim, tudo é regido pela dialética, a tensão e o revezamento dos opostos. Portanto, o real é sempre fruto da mudança, ou seja, do combate entre os contrários. 

Nada é permanente exceto a mudança. 

Por fim se a filosofia está para ser aplicada tomemos como lição o que dizem os estoicos. 

“Das coisas existentes, algumas são encargos nossos; outras não. São encargos nossos o juízo, o desejo, a repulsa –em suma: tudo quanto seja ação nossa. Não são encargos nossos o corpo, as posses, a reputação, os cargos públicos –em suma: tudo quanto não seja ação nossa.” Manual de Epicteto [1.2] 

Este é precisamente o poder do estoicismo: a internalização da verdade básica que podemos controlar nosso comportamento, mas não os seus resultados – e muito menos os resultados dos comportamentos de outras pessoas e/ou das circunstâncias – o que leva à aceitação tranquila do que acontece, assegurando o conhecimento de que nós fizemos o nosso melhor, tendo em conta as circunstâncias. 

Gustavo Justino 29/03/2020*

*universitário cursando filosofia | Agente sócio educativo na Fundação Casa | Mora em Franca- SP


3 comentários:

  1. Excelente texto. De acordo com o exposto, tomo o início do meu comentário com a frase citada de Heráclito, que diz "Nada é permanente exceto a mudança", e também uma frase mais popular " Não há mal que sempre dure e nem bem que nunca se acabe". Pois bem, esse convite filosófico vem nos provocar a refletir sobre o momento que o mundo está vivendo diante da pandemia pela Covid 19.
    De certa forma, esse momento chega a ser irônico, uma vez que de repente nós vimos passíveis de tempo, tempo para viver, tempo para conviver com sua família, tempo para refletir.
    O texto do autor nos trás vertentes filosóficas que "esbarram", dentre outros, na vertente do existir, fato coerente e inteligente para o nosso atual momento.
    Por fim, assim como Gustavo nos trás ao citar Espinosa " os seres humanos tem a capacidade de ser afetado pelo o que o cerca" que sejamos então afetados pelo medo, pela efemeridade da vida, pela nossa fragilidade e impotência diante da natureza e da vida e que dessa forma possamos melhorar enquanto indivíduo, cidadão, ser humano e que nos apropriemos dos aprendizados que o momento está a proporcionar, e quem sabe possamos nos tornar pessoas mais vivas e empoderadas.

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  2. Ótimo o texto! Compartilho um pouquinho de Freud "Se queres suportar a vida, prepara-te para a morte". É difícil, doloroso encarar nossa finitude, a transitoriedade das coisas. Mas penso que só através do enfrentamento dessa realidade que existe vida com plenitude. Como diz Clarice Lispector: "Trata-se exatamente de agora. Agora é o tempo inchado até os limites".
    O instante já...

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