24/03/2020

SOBRE A QUESTÃO DO MITO DA NEUTRALIDADE NA CIÊNCIA










Gisela Durval (2011)


Inicialmente é preciso conceituar a palavra conhecimento, já que a mesma estabelece a relação entre sujeito que conhece ou deseja conhecer e o objeto a ser conhecido ou que se dá a conhecer.

Sabemos que o conhecimento pode ser classificado em vulgar, em primeiro grau, e cientifico, em segundo grau – que é o que ora nos interessa assim, é possível elencar qual seria essa concepção de conhecimento e mais... O que entendemos por ciência?

Para Marilena Chauí (2006), conhecimento científico é aquele adquirido de um caso particular de forma ampla ou geral, ou seja, é aquele a posteriori, não é um conhecimento vulgar, é a especialização da simples noção. O conhecimento científico é aquele que se desenvolve através da técnica, da ciência da observação e da certeza.

Será?



Um dos mais nocivos vícios da ciência moderna é a fé de que a ciência é neutra. O discurso de neutralidade da ciência nasce, em sua prática, junto ao discurso científico, sua primeira ilusão.

Reforçado por uma reconstrução histórica conveniente e alicerçada pelos frutos da técnica, a neutralidade da ciência se tornou no século XX um pressuposto demarcatório para a ação dos cientistas, assim como para determinar a relação da ciência com a sociedade. Este é um ponto de reflexão que deve ser tangenciado na prática educativa, política e, sobretudo, na prática cidadã.

O conhecimento científico é transpassado por uma dinâmica das relações dos conceitos científicos, o que de certa forma já é esperado, mas devemos incluir a isso a dinâmica das relações das comunidades científicas e a dinâmica das relações da sociedade de maneira mais ampla. Não podemos e não devemos negar o fato de que no seio da atividade científica reside a ação política (política não partidária, mas política), isso ganha materialidade nas justificativas dos pedidos de financiamento, nos recursos aos pedidos de financiamento, nos pareceres científicos, na divulgação científica, no livro didático etc. Seja por traz da ação laboratorial ou da construção teórica, existem latentes as diversas visões sobre o ser humano, sobre a finalidade do “seu fazer” e sobre seu papel na sociedade. Estas noções orientam a ação do cientista, educador, leitor e estudante e no fundo determina se ele se responsabiliza ou não por isso.

Como justificar para a humanidade, que em sua maioria carece das condições básicas de subsistência, o financiamento de bilhões para um hadron collider, sem criar a necessidade de pânico apocalíptico? A justificativa é em ultima análise uma ação política. Como justificar a uma comunidade científica e uma sociedade com ranço inquisidor, que a terra sofre influência do sol à distância e sem agente material alguma? Essa é antes uma ação política, que traz consigo a responsabilidade.

Assumir a ciência como não neutra implica em me responsabilizar, em repensar minha prática científica, educativa e cidadã, implica em re-situar minha pesquisa em meio aos propósitos humanos. O mais doloroso, mas necessário é desmistificar a ciência e trazê-la para o mundo. Neste âmbito, da responsabilidade, passa a ser legitimo questionar os rumos do desenvolvimento científico, fora disso nos parece absurdo.

Considerando as observações de Japiassu (1975), enfatizamos que muitos vêem nos cientistas os detentores do “magistério da realidade”, mas os limites destes – pois as técnicas são em si limitadas – colocam a ciência num patamar “intocável”, como foi a Igreja (sistema religioso) Medieval.

O conhecimento não nasce do vazio e sim das experiências que acumulamos em nossa vida cotidiana, através de experiências, dos relacionamentos interpessoais, das leituras de livros e artigos diversos, entre outros.

Complementando e justificando Karl Popper (1902-1994), a Ciência não descobre verdades, ela no máximo poder afirmar por negatividade, ou seja, a Ciência ao formular uma teoria, no máximo pode afirmar como o mundo não é, e não como ele é. A Ciência crê que chega às verdades a partir de fatos do mundo e que através destes fatos chega na teoria. Mas, Popper mostrou com a teoria “falsificacionista”, que a Ciência começa com uma teoria, que é uma hipótese geral e com ela tenta “apanhar os fatos”.

Parafraseando Japiassu (1975), a imagem mítica do cientista ignora que ele faz parte e depende de uma estrutura bem real do mundo que o cerca. Onde vamos parar? Elevar a ciência de status inatingível é dizer que aquele que acredita na neutralidade do discurso está iludido sobre sua própria condição (grifo nosso).

Outro pensador a citar – que se assemelha ao pensamento de Popper é Thomas Kuhn (1922-1986). O pensador acreditava que, durante períodos de "ciência normal", os cientistas trabalham dentro do mesmo paradigma. A comunicação e trabalho científico prosseguem de forma relativamente sem percalços até que ocorram anomalias, ou que uma nova teoria ou modelo seja proposta, exigindo que se entenda conceitos científicos tradicionais de novas maneiras, e que se rejeite velhos pressupostos e substitua-os por novos.

Para Kuhn, revoluções científicas ocorrem durante aqueles períodos em que pelo menos dois paradigmas coexistem, um tradicional e pelo menos um novo. Os paradigmas são incomensuráveis, assim como os conceitos usados para entender e explicar fatos e crenças básicas. Os dois grupos vivem em mundos diferentes. O movimento do antigo para o novo paradigma foi chamado de mudança de paradigma.

Tais pensadores colocam a questão da ciência em ser neutra, excessivamente verdadeira.



Concluímos, pois, que o conhecimento cientifico apesar de ter base experimental não é inquestionável podendo ele a qualquer momento ser contestado e perder a sua suposta veracidade, quando algum argumento contraditório conseguir sobrepor – se ao primeiro e assim sendo, não se pode conviver com contradições. Este tipo de conhecimento pode ser completamente independente de um contexto predeterminado utilizando-se afirmações generalizadas podendo ser aplicado a diferentes situações e épocas. E ainda, pode ser verdade irrefutável em uma época e absurdamente errado em outra.


Referências Bibliográficas:


CHAUÍ, Marilena. Convite a filosofia. São Paulo: Ática, 2006.

Excerto da obra O mito da neutralidade científica:

JAPIASSU, Hilton. O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975. p.116

BASTOS, Cleverson Leite; CANDIOTTO, Kleber B.B. Filosofia da Ciência. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2008.

Apostila do curso de Licenciatura em Filosofia – Ceuclar – Filosofia da ciência, desenvolvida pelo professor mestre Ricardo Matheus Benedicto. Ano 2011.



E- Referências:

Rodrigo da Silva Barroso, O que é conhecimento científico, publicado em 11/5/2008, disponível em < http://www.webartigos.com/artigos/o-que-e-conhecimento-cientifico/5983/> acesso em 30. out.2011.

Tipos de conhecimento, disponível em <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/met02b.htm> acesso em 30. out.2011.

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